Em 1906, aos 33 anos, em Paris, Alberto Santos Dumont colocou em ação uma tecnologia inédita – um artefato mais pesado que o ar decolou, voou e aterrissou. Petit Santô, como era conhecido pelos seus 1,60 metro e 50 kg, já era famoso mundialmente por ter conseguido alcançar a dirigibilidade dos balões. Antes de suas criações, os balões viajavam de acordo com o vento. Santos Dumont adaptou aos seus dirigíveis um motor a petróleo, o que lhe permitia estabelecer a rota que desejasse.
Henrique Lins de Barros é pesquisador titular do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas – CBPF – e especialista na vida e na obra de Santos Dumont. Henrique escreveu três livros sobre o tema. Santos Dumont e a invenção do voo; Desafio de voar: brasileiros e a conquista do ar (1709-1914) e O Nascimento da Demoiselle. O Portal MultiRio conversou com o físico sobre o panorama científico da época do inventor do 14-Bis e o que está acontecendo na área atualmente, como inspirar os jovens em sala de aula e a possibilidade de o Brasil produzir mais tecnologia.
Portal MultiRio: O senhor poderia fazer um paralelo entre as invenções do tempo de Santos Dumont e as de hoje em dia?
Henrique Lins de Barros: No século XIX, a ciência atinge um ponto que parecia ter resolvido tudo, em relação à Mecânica, à Eletricidade, à Química, entre outras áreas. Havia um coroamento do desenvolvimento científico com a criação dos motores a vapor, elétrico e a gasolina. O rádio foi inventado. As grandes teorias que recolocariam os problemas só surgiriam no início do século XX, com a Relatividade e a Mecânica Quântica. Atualmente, o panorama é outro, no sentido de que as tecnologias envolvidas nas novas invenções, como o foguete norte-americano que leva satélites para a órbita terrestre, não são tão acessíveis como no tempo de Santos Dumont. Por outro lado, também temos nossos problemas ainda sem solução, como é o caso da Física Quântica. Não está claro para os físicos o que acontece no interior da matéria, mas a Física Quântica é ótima quando a aplicamos em invenções práticas, como o celular. O smartphone, por exemplo, só funciona graças à aplicação da Física Quântica.
PM: Santos Dumont pode inspirar as novas gerações?
HLB: Sim. Qualquer criança é fascinada por aviões de papel. Costumo fazer com meus netos e, é inevitável, eles começam a fazer perguntas: por que voa? Como jogo para que voe? Desperta a curiosidade e, a partir daí, dá para trabalhar muitas questões de introdução científica. Os professores, de qualquer área, podem trabalhar assim: despertar o interesse, a curiosidade dos jovens e, a partir disso, aprofundar algum conceito ou conteúdo. É preciso sair do “livrismo”, não ficar apegado somente ao livro.
PM: Na sua opinião, quais caminhos o Brasil deveria seguir para produzir mais tecnologia?
HLB: Temos um desenvolvimento acelerado e caótico. Estamos bem em áreas como a de petróleo, aeronáutica e científica, mas há pouca relação entre as empresas e as universidades para que as invenções e as novas tecnologias sejam empregadas. Além disso, nós, brasileiros, temos um problema de autovalorização. Já tivemos grandes nomes na arte e na ciência e nunca obtivemos um prêmio Nobel, por exemplo. Não há um esforço de autovalorização como nação. Basta uma pessoa começar a ter êxito para seus pares criticarem. Estou falando, por exemplo, de Guimarães Rosa, Oswaldo Cruz ou D. Hélder Câmara, entre muitos outros.
PM: Como Santos Dumont se tornou o inventor excepcional que foi, sendo autodidata?
HLB: Porque ele era realmente uma pessoa singular. Muito criativo, não abandonava seus objetivos frente aos insucessos, tinha uma força de vontade impressionante e coragem para sair do manual. Para inventar algo novo, a pessoa precisa se desarmar em algum momento. Quem estuda muito e só, será um bom aluno que resolve problemas, mas não inventa. Para inventar, em algum momento, é preciso dar o pulo que falta, que não está nos livros, no que já é conhecido.
Demoiselle
Santos Dumont não se deu por satisfeito ao conseguir decolar, voar e aterrissar com o 14-Bis. Em 1907, aos 36 anos, construiu o Demoiselle, o primeiro ultraleve construído (cinco metros de comprimento e oito de envergadura) e que definiu conceitualmente o que seria o avião daí para frente. Nesse novo projeto, o piloto ia sentado como atualmente. Santos Dumont publicou o projeto na revista norte-americana Popular Mechanics, com todos os detalhes técnicos, e o colocou em domínio público. No livro O que eu vi, o que nós veremos, Santos Dumont escreveu que “(...) desejoso de propagar a locomoção aérea, eu ponho à disposição do público as patentes de invenção do meu aeroplano. Toda a gente tem o direito de construí-lo e, para isto, pode vir pedir-me os planos. O aparelho não custa caro. Mesmo com o motor não chega a 5.000 francos”.
Alberto Santos Dumont
Santos Dumont nasceu em Minas Gerais, em 1873. Era o sexto, de oito filhos. Na infância e adolescência, Alberto era fascinado pelas máquinas de beneficiamento e escoamento de café da fazenda paterna – havia, inclusive, 99 km de ferrovia dentro da propriedade.
O pai era engenheiro, filho de franceses, e se tornou o maior produtor de café do Brasil. Quando o pai adoeceu, vendeu a propriedade e dividiu 2/3 da fortuna entre os filhos. Aconselhou Alberto a ir para Paris estudar mecânica com especialistas porque considerava que aí estava o “futuro do mundo”.
Em Paris, Santos Dumont apaixonou-se pelos balões e, como os voos eram muito caros, resolveu construir o seu próprio balão. Henri Lachambre e Alexis Machuron o ajudaram, mas Santos Dumont inovou no tamanho. Usualmente, os balões possuíam de 500 a 2.000 metros cúbicos de capacidade. O balão de Santos Dumont tinha apenas 113 metros cúbicos, cabia em uma mala. Ele o batizou de Brasil. A partir daí, desenvolveu os dirigíveis e os aviões (incluindo o 14-Bis e o Demoiselle).
Santos Dumont faleceu em um hotel em Santos (SP), em 23 de julho de 1932, abatido com o uso de aviões na Revolução Constitucionalista. Duas semanas antes de sua morte, aviões bombardearam os paulistas por ordem de Getúlio Vargas. A E.M. Santos Dumont (5ª CRE), em Marechal Hermes, foi batizada em homenagem ao inventor.