No ano de 1939, Carmen Miranda estreava no cinema a comédia musical Banana da Terra, de Ruy Costa. Cantando O Que É Que a Baiana Tem?, de Dorival Caymmi, inaugurava, ali, o figurino que a tornou famosa no showbiz internacional. Mas se, no hemisfério norte, os balangandãs pareciam novidade, desde os tempos coloniais eles já faziam parte do cenário urbano não apenas de Salvador, mas também do Rio.
A prática do comércio ambulante de alimentos era realizada por mulheres na costa ocidental do continente africano antes mesmo da vinda dessas populações para o Brasil. Aqui, as escravas de ganho prestavam serviços a seus senhores, preparando o acarajé e outras comidas, que vendiam exclusivamente à noite, circulando com seus tabuleiros ou cestos.
Além de promover uma maior socialização de sua cultura, as vendedoras contribuíam para a realização das festas e obrigações do candomblé, uma vez que a iguaria é considerada uma comida sagrada, oferecida aos santos e aos fiéis em dias especiais. No Rio de Janeiro, as famosas tias baianas, já libertas – como a Tia Ciata da Praça Onze –, utilizavam sua arte de quituteiras para ganhar a vida. Graças à militância feminina na proteção ao batuque e à gastronomia, manifestações como a roda de samba com feijoada chegaram aos dias de hoje.
Presença tradicional e oficialmente reconhecida
A partir do momento em que a Prefeitura regularizou o ofício de baiana de acarajé, em setembro de 2011, cada profissional passou a ter seu ponto assegurado na cidade. Foi firmada, também, uma parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), para a participação da categoria no Programa Alimento Seguro da Prefeitura, a fim de ampliar a qualidade dos produtos e serviços ofertados.
Considerado como bem cultural de natureza imaterial, o ofício de baiana de acarajé foi inscrito no Livro dos Saberes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em janeiro de 2005. Nele estão presentes conhecimentos enraizados no cotidiano das comunidades, como o modo de fazer queijo de minas ou bonecas karajá, em regiões específicas. Em 2011, o Iphan promoveu, na quadra do Grêmio Recreativo Escola de Samba Estácio de Sá, o I Festival de Acarajé, que vem se realizando anualmente desde então.
Com sede nacional em Salvador, a Associação das Baianas de Acarajé, Mingau, Receptivo e Similares (Abam) conta com representação também no estado do Rio de Janeiro, onde ajuda a coordenar a atividade. A preparação dos alimentos, que incluem o abará, o bolinho de estudante, as cocadas e os pés de moleque, entre outros pratos, requer não apenas a fidelidade às receitas originais, passadas de geração a geração, mas também o respeito aos preceitos de preparação. Recife e São Luís são mais duas capitais brasileiras que preservam o acarajé como acervo local.
O que vem a ser um acarajé
Em iorubá, a palavra acarajé significa “comer fogo”. Sua origem se localiza no Golfo do Benin, entre Gana e Nigéria. É um bolinho feito de feijão fradinho triturado, cebola e sal, frito em azeite de dendê. No universo cultural religioso afro-brasileiro, a comida é ofertada a Oyá (Iansã) e a Xangô. Já como comida de rua, é servido com pimenta, camarão seco, vatapá, caruru e até uma espécie de salada que leva tomate e temperos picados.
De acordo com o sincretismo, a Santa Bárbara católica corresponde à figura da orixá Iansã. Por isso, ela é a padroeira das baianas, que todos os anos festejam, também, seu dia onomástico, em 4 de dezembro.
Fontes:
Dossiê Iphan Ofício das Baianas de Acarajé e site da Abam